Advocacia Colaborativa e Notariado: O Direito com Alma
Por Angelo Volpi Neto
A construção de uma sociedade pacificada e juridicamente segura exige que o direito seja compreendido não apenas como instrumento de resolução de litígios, mas como ferramenta de convivência social, conforme propõe Miguel Reale em sua teoria tridimensional do direito.
Num movimento discreto, mas crescente, uma pequena parte da advocacia contemporânea vem se transformando, deixando de lado o paradigma adversarial para adotar uma postura cooperativa, voltada à construção de soluções consensuais. Nela, os advogados fazem um pacto de não agressão, comprometendo-se, inclusive por cláusula contratual, a abdicar da via processual adversarial. Mais do que isso, comprometem-se com a lealdade mútua e com um fair play profissional.
Cansados de trabalhar e viver em constantes e intermináveis conflitos, esses profissionais começaram a sensibilizar-se para o drama humano — não só de seus clientes, mas também o próprio. A frustração pessoal e profissional tornou-se um catalisador dessa mudança.
As escolas de direito nos preparam para o embate, numa lógica de enfrentamento, e assim o conflito é negligenciado, pois faz “parte do jogo”. A relação advogado-cliente submete-se à lógica dominante do combate, e a escuta do discurso do cliente é frequentemente reproduzida e incentivada sem reflexão crítica.
Assim, por exemplo, quando lidamos com um relacionamento familiar conflituoso, isso repercute em nossos filhos, na escola e em diversos outros ambientes. O sistema adversarial produz o efeito maléfico do enfrentamento: “sou bom se ganho, sou bom se tenho mais patrimônio e posição social que você”. O benefício é sobre — e não com — o outro.
Nesse contraponto, esse movimento transformador surge como oposição a uma sociedade adoecida e cindida pela intolerância e pelo ódio, que já começa a perder a esperança no humano, preterindo-os aos pets.
Capitaneado no país pelo Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas, está sintonizado com a humanização do direito, que começa pela mudança da estética na entrevista com o cliente, na qual se observa não apenas o conteúdo, mas também a forma, numa leitura mais profunda da narrativa apresentada.
É nesse ponto que o movimento se conecta com a atuação do notário, que, pela sua milenar história e evolução, moldou-se pelo acolhimento e não pela retórica. Seu papel sempre foi o de transcrever os desejos e interesses de seus clientes com a finalidade de receber e interpretar seus relatos. Além disso, o notário é imparcial por princípio e por imposição legal.
No meio deste caminho, temos a mediação de conflitos — ou melhor, a mediação de pessoas em conflitos, conforme afirma Juan Carlos Vezzulla — que, estruturada numa crescente evolução doutrinária e científica, passou a participar de forma extraordinária em todas as tratativas de resolução de conflitos, desde os interpessoais até aqueles entre nações.
Na mediação, a escuta ativa e o acolhimento são a chave de entrada num processo em que as pessoas são incentivadas a reconhecer suas responsabilidades e assumir que não haverá solução melhor que aquela construída por elas. Não se trata de barganha, mas de compreensão do outro e corresponsabilidade na elaboração de um projeto de convivência.
Essa conjunção de atores, métodos, ciência e doutrina vem alimentando um novo entrever do direito — não como mera justiça, mas como forma de convivência e pacificação — trazendo uma luz, ainda que tênue, mas promissora e alvissareira.
A confluência revela que advogados colaborativos e notários, embora com funções distintas, podem e devem compartilhar o mesmo propósito: promover o direito como instrumento de paz social — da litigância à conciliação, da imposição à voluntariedade, do ódio à solidariedade.
Ao reconhecerem o valor da escuta ativa, da imparcialidade e da construção conjunta de soluções, ambos os profissionais contribuem para uma cultura jurídica mais humana, preventiva e acessível.
“O direito não é apenas norma; é também fato e valor. E sua função maior é permitir que os homens vivam em sociedade com segurança e liberdade.”